Boa Sorte Léo Grande

 

Em Boa Sorte, Leo Grande, Nancy Stokes é uma professora que acabou de se aposentar. Apesar de ter tido uma vida satisfatória, existe uma coisa que ela nunca teve: Nancy nunca fez um sexo digno de chamar de bom. Na verdade, Nancy nem sabe se o que ela fez foi de fato sexo. Mas isso são águas passadas, Nancy está obstinada em seu plano de ter, pelo menos uma vez, uma noite de sexo prazerosa. E tem tudo desenhado em sua cabeça: ela chamará um jovem trabalhador do sexo e reservará (anonimamente) um bom quarto em um hotel. Ela até sabe o nome do jovem: Leo Grande. Leo sabe o que faz e sabe que faz bem o seu trabalho. Apesar de parecer somente mais uma cliente e mais algumas horas de trabalho, Leo está certo que essa é a coisa que mais intrigou ele, e que Nancy é também uma pessoa diferente.

Diretores e roteiristas independentes devem estar exaustos de ver seus filmes sendo chamados de “autênticos”, elogiados pelo “charme singelo” e pelo “intimismo” de suas histórias e escolhas estéticas. Acostumados com a escala inflacionada dos blockbusters, críticos e espectadores casuais são igualmente culpados de, ao verem um filme baseado em diálogos, com poucos personagens ou locações, ou uma abordagem mais “pé-no-chão” da própria trama, tratarem isso como um valor em si.

Boa Sorte, Leo Grande 
desafia essa polarização. O filme de Sophie Hyde (52 Tuesdays) se passa largamente em um só cenário (um quarto de hotel), e é baseado quase inteiramente na interação entre dois personagens (uma viúva e o garoto de programa que ela contrata) no decorrer de vários encontros entre eles. Cada detalhe de como este longa foi feito, no entanto, não só salta aos olhos como também atiça a mente - artisticamente, ele é tão colossal quanto um O Senhor dos Anéis ou um Mad Max: Estrada da Fúria.

No fim das contas, todos esses detalhes servem à história, e é assim mesmo que deveria ser. O texto de 
Katy Brand (Glued) é, por si só, uma preciosidade, tão agudamente sintonizado às considerações contemporâneas por trás da situação que retrata quanto à realidade imediata dos personagens que cria. Boa Sorte, Leo Grande é um filme audaciosamente adulto, capaz de abordar realidades políticas complexas e frequentemente contraditórias sem sacrificar nem sua complexidade nem suas contradições. 

O filme argumenta pela legalização do trabalho sexual, por exemplo, mas reconhece a realidade de abuso que subsiste por trás dele. Desenha a jornada de empoderamento físico, sexual e emocional de sua protagonista feminina, de seu encontro com a própria autonomia, mas não sente a necessidade de cancelar a importância da conexão humana para que esse processo aconteça. 

Boa Sorte, Leo Grande
 entende que o mundo é complicado, e seres humanos mais ainda, mas postula que a única forma de navegá-lo de forma saudável é com a ajuda um do outro.
E que brilhante a forma como a diretora Sophie Hyde e seu editor encontram os momentos certos para enquadrar Leo e Nancy separados, juntos, ou nos movimentos entre um estado e outro. 

Que brilhante a maneira como Emma Thompson e Daryl McCormack se entregam um ao outro em cena, equilibrando realismo e drama, deixando queimar por trás dos olhos e derramar pelo corpo, em diálogo e em sensualidade, uma angústia terrivelmente humana que só os faz se aproximar, ao invés de se afastar.

Como todo grande filme (que não necessariamente é o mesmo que filme grande) de toda era, 
Boa Sorte, Leo Grande se aproveita do fato de ser um filme ao máximo - é a entrega às possibilidades do meio, às toneladas de significado que a imagem em movimento pode trazer, que o definem como a obra absolutamente vital que ele é.


Boa Sorte, Leo Grande
 se inicia como um conto de fadas. Existe um teor de fantasia nas cores e nas luzes, enquanto a trilha sonora apresenta as composições típicas de aventuras mágicas. Os letreiros em estilo pop conferem um tom jovem à produção: podemos ter a impressão de entrar na sessão da nova comédia estrelada por Larissa Manoela 

No entanto, este é um filme sobre sexo (entre outras coisas), envolvendo uma senhora de 55 anos e um garoto de programa. Eles dominam a integralidade da narrativa, que se concentra num único cenário: o quarto de hotel reservado para o primeiro orgasmo da protagonista. 



A mulher viúva nunca desfrutou das relações com o marido, e sempre desprezou o comportamento de suas alunas, que chamava de “putas”. Por isso, a decisão repentina de contratar um rapaz jovem e musculoso lhe traz bastante apreensão. Nancy chega a fazer uma lista de tudo o que pretende concretizar, se possível, nessa ordem: sexo oral nele, sexo oral nela, ela sentada por cima, etc. 

O filme explora com grande perspicácia a nossa dificuldade em falar sobre o tema, em admitir prazeres, fetiches, desejos. Mesmo na fase adulta, a prática é acompanhada de vergonhas e tabus impostos por uma sociedade conservadora. Por isso, Nancy representa o conservadorismo misturado com ignorância, ao passo que o garoto Leo Grande (Daryl McCormack) encara qualquer pedido.

Um dos méritos deste projeto se encontra na percepção de que o sexo constitui um ponto de partida, ao invés de um objetivo final. Trata-se de uma obra sobre amor, afetos, carência, traumas na juventude, relações familiares. Conforme Leo acalma a personagem nervosa, eles conversam, e revelam mais sobre si próprios do que imaginavam. 

Longe do sentimentalismo, a diretora Sophie Hyde explora os diálogos velozes e ferozes escritos pela humorista Katy Brand. Nenhum tema será desprezado ao longo dos sucessivos encontros entre os dois: orientação sexual, perspectiva de vida, dignidade na prostituição, questões relacionadas a idade, gênero, geração, religiosidade e nacionalidade. A dupla inicia a jornada na condição de profissional e cliente, para depois se tornarem amigos íntimos, mãe e filho simbólicos, e respectivos terapeutas. O discurso parte de uma ideia preconcebida de prazer físico, para então desconstruí-la rumo a uma noção ampla de erotismo, ultrapassando a esfera da genitalidade. 

Em paralelo, ambos questionam seus corpos e sua autoconfiança: ela se sente velha e pouco atraente; ele compreende que jamais seria requisitado se não passasse tanto tempo na academia. É possível ao espectador se identificar com essas duas figuras, para além de seus ofícios ou histórico de relacionamentos. Eles transmitem um leque amplo de angústias associadas ao corpo e à afetividade, sobretudo nos tempos contemporâneos. Para aproveitarem as relações um com o outro, precisarão em primeiro lugar descobrir o prazer em si mesmos.

O elenco parte de um conceito divertido: enquanto a atriz veterana interpreta uma mulher inexperiente; o ator iniciante interpreta um veterano. Daryl McCormack encarna o escort boy de fala doce, compreensiva, pronto a qualquer reação de sua cliente. Ele chega a perder a paciência com as sucessivas hesitações da professora, mas sempre retoma o aspecto sedutor antes de uma possível explosão. 

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